27/08/2008 TJSC. Da suspensão e extinção do poder familiar. Negligência e abandono comprovados. Situação de risco a recomendar o arrebatamento do poder familiar. Inteligência e aplicação do art. 1.638 do CC/2002. O poder familiar é, antes de tudo, um múnus público irrenunciável, indelegável e imprescritível, devendo, em princípio, ser exercitado com o maior denodo possível pelos pais. Porém, se estes se mostram inaptos para o exercício de tão grave e importante dever, dele devem decair, por determinação judicial. Para isso há o remédio da extinção do poder familiar, que pode ser administrado passando ou não pelo instituto da suspensão, na dependência sempre da menor ou maior gravidade da situação a que os pais exponham os filhos.
Decisão
Acórdão: Apelação Cível n. 2006.033561-9, de São Carlos.
Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben.
Data da decisão: 31.03.2008.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 438, edição de 08.05.2008, p. 74.
EMENTA: CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. NEGLIGÊNCIA E ABANDONO COMPROVADOS. SITUAÇÃO DE RISCO A RECOMENDAR O ARREBATAMENTO DO PODER FAMILIAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 24 DO ECA E DO ART. 1.638 DO CC. COLOCAÇÃO DAS CRIANÇAS À DISPOSIÇÃO DE FAMÍLIAS SUBSTITUTAS.
O poder familiar é, antes de tudo, um múnus público irrenunciável, indelegável e imprescritível, devendo, em princípio, ser exercitado com o maior denodo possível pelos pais. Porém, se estes se mostram inaptos para o exercício de tão grave e importante dever, dele devem decair, por determinação judicial. Para isso há o remédio da extinção do poder familiar, que pode ser administrado passando ou não pelo instituto da suspensão, na dependência sempre da menor ou maior gravidade da situação a que os pais exponham os filhos.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.033561-9, da comarca de São Carlos (Vara Única), em que é apelante L. M. e apelada a representante do Ministério Público:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, desprover o recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
O Ministério Público, por sua digna representante, Promotora de Justiça Silvana do Prado Brouwers, deflagrou ação de destituição de poder familiar contra L. M. e A. C. M., após a constatação de inflição de maus-tratos e de negligência na criação e educação dos filhos menores A. M. C., nascido em 13/11/2001, J. M., nascido em 24/05/1999, e A. M., nascida em 05/06/2004. Para tanto, destacou que, na Ação de Verificação de Situação de Risco n. 059.03.000198-4, apurou-se que as crianças vinham sendo, constantemente, expostas a cenas de violência doméstica e que os requeridos são pessoas irresponsáveis, desmazeladas ou negligentes nos cuidados e na criação dos filhos menores e não lhes propiciam, quando necessária, a devida assistência médica, além de deixá-los freqüentemente sob os cuidados de terceiros. De outra parte, apurou a Promotora de Justiça, com a ajuda de serviços judiciários auxiliares, que L. M. é useira e vezeira na prática de atos de agressão física contra seus filhos, de sorte a infligir-lhes constantes maus-tratos, tidos na legislação como infração penal. Ademais, verificou-se que A. C. M. é alcoólatra e oferece bebidas alcoólicas às crianças.
Relatou que, abrigadas as crianças, L. M. passou a dar mostras de vontade de mudar sua conduta materna, ocasião em que lhe foi restituída a guarda das crianças. Na oportunidade, a família foi incluída em programas oficiais de auxílio e passou a receber leite e cestas básicas mensais. Entretanto, a emenda de conduta não passou de mera promessa, porquanto os demandados mantiveram o antigo comportamento, a velha e conhecida vida desregrada. Assim, havendo sido verificada constante violação dos direitos dos menores A. M. C., J. M. e A. M., foram eles encaminhados a Casa Lar de São Carlos, onde permanecem até hoje. Destarte, não podia o Ministério Público ficar impassível, como efetivamente não ficou, porquanto tenha evocado, desde logo, a competente prestação jurisdicional, requerendo a suspensão do poder familiar a cargo de L. M. e A. C. M. sobre os filhos A. M. C., J. M. e A. M.
Na mesma ocasião, a representante do Parquet pleiteou a procedência do pedido com a decretação da perda do poder familiar dos réus sobre seus três filhos.
Tendo havido pedido de liminar, esta foi deferida à fl. 66, e, citada, L. M. Contestou. Negou as asserções ministeriais e afirmou jamais ter agido negligentemente em relação a seus filhos, não tendo fundamento as alegações da representante do Ministério Público. Ademais, asseverou que as agressões físicas partiam de seu amásio, A. C. M., acrescentando que somente suportava as atitudes violentas do companheiro como forma de manter a família unida. De outro lado, realçou que as crianças somente eram postas sob os cuidados das avós durante seu turno de trabalho, anotando que a miséria por que passa a família dificulta o bem-estar de seus integrantes.
Alegou, ainda, haver-se separado de A. C. M. e não pretender voltar a com ele conviver, ao tempo em que manifesta o desejo de recuperar a guarda dos filhos, dizendo ter moradia garantida na casa de sua irmã, em Balneário Camboriú. Requereu justiça gratuita e a improcedência do pedido.
O Dr. Juiz de Direito determinou a elaboração de estudo social e este, uma vez concluído, foi juntado ao processo (fls. 165/166). Ao lado disso, ouviram-se testemunhas, em audiência, e colheram-se as alegações finais, contidas em memoriais.
Sobreveio, então, a sentença (fls. 221/227), pela qual o Dr. Juiz de Direito decretou a perda do poder familiar de A. C. M. e de L. M. em relação aos três filhos menores, arrimado no artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 1.638 do Código Civil. Contudo, inconformada com a prestação jurisdicional, L. M. apelou, reeditando os argumentos da contestação, na qual afirmou a falta de provas da alegada negligência. Destacou que jamais descuidou de seus deveres maternos e que apenas o fez quando foi internada em hospital por ter sido agredida pelo companheiro. De outra parte, disse não ser verdadeira a acusação de que se entrega à prostituição e de que não tenha onde morar dignamente, pois tem emprego e residência fixos e divide aluguel de um imóvel com amigos.
Realçou que o fato de visitar A. C. M. na prisão não desabona sua conduta, pois o prisioneiro revelou o desejo de reorganizar sua vida e livrar-se do alcoolismo para desfrutar do convívio dos filhos.
Requereu a reforma da sentença hostilizada com a conseqüente restituição dos filhos ao convívio familiar.
Houve contra-razões (fls. 262/266).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Dr. Aurino Alves de Souza, alvitrou o desprovimento do recurso.
Juntou-se ao processo nova documentação, remetida pelo Conselho Tutelar de Blumenau, e a apelante, apesar de intimada, deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por L. M. contra a sentença provinda da comarca de São Carlos que, em ação de destituição do poder familiar que lhe move a representante do Ministério Público, julgou procedente o pedido, subtraindo dos réus o poder familiar.
É sempre bom lembrar que o poder familiar é um conjunto de direitos e obrigações inerentes aos pais, naquilo que diz com a pessoa de seus filhos menores. Ao contrário do que ocorria no direito romano, em que o pátrio poder revestia características de direito paterno absoluto, em nossa codificação civil, seja na revogada, seja na novel, essa característica desapareceu para dar lugar a uma nova, com mais seiva de dever do que de poder, tanto maiores são os deveres paternos e maternos do que são os direitos sobre seus rebentos. Por isso mesmo, autores de nomeada defendem, hoje, de forma correntia, o uso da expressão “poder familiar”, que é a adotada pelo Código Civil, com os olhos voltados para o fato de que não se está, efetivamente, diante de uma força potestativa, mas de uma atividade pátrio-maternal que, se não exercida convenientemente, permitirá o arrebatamento dos filhos maltratados dos braços de genitores irresponsáveis. Contudo, ainda que se possa subtrair, em face de certas circunstâncias, o exercício do poder familiar entregue pelo Estado aos pais dos menores, não se pode deixar de reconhecer que esse poder é, antes de tudo, um múnus público irrenunciável, indelegável e imprescritível, devendo, em princípio, ser exercitado com o maior denodo possível pelos pais, significando dizer que estes não estão à vontade para dele desistirem ou renunciarem, assim como não lhes é dado o direito de transferi-lo a outra pessoa, a não ser na forma excepcional do artigo 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
É claro que, se os pais se mostram inaptos para o exercício de tão grave e importante dever, dele deverão decair, por determinação judicial. Para isso há o remédio da extinção do poder familiar, que poderá ser administrado passando ou não pelo instituto da suspensão, na dependência sempre da menor ou maior gravidade da situação a que os pais exponham os filhos e da capacidade materno-paterna de rever seus maus hábitos e suas práticas perniciosas perante os filhos menores.
O processo é revelador das dificuldades econômico-financeiras da apelante, modesta faxineira, com ganhos mensais de apenas R$ 400,00; mas verifica-se, também, não ter ela residência fixa, tanto que veio a ser acolhida pela madrinha de sua filha A. M. (fl. 194). Essa circunstância, ainda que possa influenciar no conjunto da prova a ser examinado pelo Juiz para definição da situação dos infantes e para livrá-los de riscos a que não se devam sujeitar, por si só não é razão bastante para a decretação da suspensão ou da extinção do poder familiar, nos termos do artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cabendo ao Estado incluir crianças e adolescentes e as respectivas famílias carentes em seus programas oficiais de assistência ou auxílio, de sorte que essas medidas (suspensão e extinção do poder familiar) são remédios amargos, subministrados pela Justiça apenas em situações extremas.
A despeito do até aqui asseverado, não se pode olvidar que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a perda do poder familiar por infração do dever de sustento, de guarda e de educação dos filhos menores, nos termos do que se engasta nos artigos 22 e 24, situações, aliás, contempladas também no artigo 1.638 do Código Civil.
Diga-se, ademais, que a solução, salvo raras exceções, açambarca toda a prole, mormente porque só será aplicada quando estiver provada a inapetência dos pais, titulares do poder familiar, para o exercício de tão importante múnus.
Feitas essas digressões a respeito do instituto de que se trata, impende dizer que a prova, em seu conjunto, é das que autorizam a medida aplicada no Juízo a quo.
A apelante alega ser mãe zelosa e ter emprego e residência fixos, dando ressalte ao fato de que visitar A. C. M. na prisão não desabona sua conduta, razão por que pede o restabelecimento do poder familiar sobre A. M. C., J. M. e A. M.
Ao contrário do que sustenta a recorrente, verifica-se que os infantes sempre estiveram expostos a uma realidade familiar hostil e inadequada ao atendimento de seus direitos fundamentais, mormente porque fácil é deduzir dos documentos juntados (Ação de Verificação de Situação de Risco n. 059.03.000198-4, instruída com comunicação do Conselho Tutelar, estudo social e boletim de ocorrência) a completa negligência da mãe no trato dos filhos, com especial ênfase à falta de proteção da integridade física e do desenvolvimento moral das crianças.
Do relatório subscrito por membros do Conselho Tutelar à Promotoria de Justiça, extrai-se que
Na data de 03 de fevereiro de 2003 esteve neste Conselho Tutelar a Sra. S. M. denunciando que sua filha L. M. estava praticando maus-tratos com seus filhos J. M. – 4 anos e A. C. – 1 ano. A mesma pratica os maus-tratos devido a dar prioridade ao seu amásio A. C., que a agride.
Em visita realizada por este Conselho juntamente com a avó averiguamos os fatos e constatamos que a mãe estava fechada no porão da casa deitada em um colchão em pura terra, com hematomas nos olhos, pois havia apanhado de seu amásio A. Os filhos estavam junto com ela no local no qual não havia comida para nenhum deles (fl. 13).
A coonestar as informações da mãe da apelante, está a declaração de J. C., mãe de A. C. M.:
L. costuma agredir J. – "O A. às vezes dava uns tapas nela de tanto que ela batia naquela criança" – costumando agredir com as mãos, dar socos nas costas e na face do menino. L., no mês de abril/2003, deixou A. aos cuidados da declarante – o outro menino L. disse que deixara com a mãe dela, e outras vezes afirmou ter levado a Chapecó, onde ela trabalha em uma boate (inicialmente ela disse que trabalhava em uma casa de família, posteriormente ela confessou trabalhar em uma boate, com uma amiga de nome A. P., a qual residia nesta cidade de São Carlos). Quando A. foi deixado aos cuidados da declarante, ele estava bastante gripado e muito "magrinho, anêmico". A. permaneceu com a declarante por cerca de quinze dias, tendo L. voltado para pegar o menino.
Passados poucos dias, L. novamente pediu à declarante que cuidasse do menino, o qual apresentava "feridas em todo corpo, embaixo do braço, e atacado do pulmão" [...] A. paga cem reais de pensão alimentícia ao filho que, em uma das vezes, foi deixado na casa da declarante sem nenhuma peça de vestuário - "ela deixou o piá doente e sem roupa, acho que ela usa as roupas e joga fora" (fls. 16/17 – grifo nosso).
O atestado médico de fls. 24/25 corrobora os relatos das avós materna e paterna, ao consignar que, em 04/07/2003, A. M. C. apresentava-se descorado e desnutrido, pesando 8,8 kg quando deveria ter, no mínimo, 9,7 kg. Além da negligência quanto aos cuidados diários e à saúde das crianças, ficou comprovado, ao longo da instrução processual, que L. M. submetia os filhos a ambiente familiar instável e repleto de agressividade.
Dos Termos de Encaminhamento à Justiça da Infância e da Juventude, extrai-se:
Quando fomos fazer visita (semanal) não encontramos ninguém, batemos e veio nos receber a dona do porão onde L. e a família estavam morando até então, dona E. K. [...]. Segundo ela, não agüentou mais tanto barulho e confusão, diz que todas as noites A. chegava bêbado, batia na L. e nas crianças, teve uma noite que J. fez xixi na cama, então ele pegou as roupas que molharam e colocou no nariz da criança, não bastando, ainda bateu nele, conta ainda que, após tudo isso, pediu que L. fosse morar em uma casinha ao lado, que também não pagaria nada, mas na primeira noite que estava lá veio A., xingou e gritou muito, dizendo que ali ela não poderia ficar, e provavelmente a levou naquela noite mesmo para sua casa.
[...] nos preocupa o tempo que passam em casa, à noite e nos finais de semana, uma por não ter residência fixa, outra pelo comportamento de A., que se constitui em ameaça e/ou violação dos direitos da criança/adolescente (fl. 61).
Na noite do dia 30 de novembro de 2004, foi acionado o plantão, dona L. foi até a casa da conselheira D. pedir socorro, pois havia sido agredida com socos e pontapés pelo seu companheiro A. C. M., conforme anexo BO. Segundo L., A. saiu de casa por volta do meio-dia e retornou às dezoito horas, estando na ocasião acompanhado de seu amigo M. F., ambos estavam em visível estado de embriaguez. [...] Na manhã de hoje, em contato com a Dra. Silvana, orientou-nos que fizesse o abrigamento [das crianças]. [...] A. e J. estavam em condições precárias de higiene (roupas sujas e A. com xixi), ambos perguntaram se iriam para Casa Lar, ficaram contentes em saber que sim (fl. 63).
Todos esses fatos estão coonestados pela prova testemunhal colhida em audiência.
A assistente social Janice Pereira disse em Juízo que
a requerida era extremamente negligente com os filhos e sempre optava pelo companheiro; que a requerida saía em busca do A. e deixava os filhos com os familiares ou vizinhos; que a requerida também é totalmente omissa em questão de higiene com as crianças e descaso com a saúde e alimentação das crianças; que as crianças foram abrigadas desde 2002 por duas vezes e criavam-se condições para a requerida ter os filhos de volta, mas logo voltava ao mesmo procedimento de negligência e descaso; que devido a problemas pulmonares a criança A. ficou internada no hospital por cerca de 25 dias, "entre a vida e a morte"; que quando nasceu a criança A. a requerida entregou para uma vizinha; que esta vizinha ficou com a criança por cerca de 1 mês, sendo que após foi-lhe tirada pela requerida; que a requerida, quando convivia com A., esquecia os filhos e quando o A. era preso ou saía da cidade, a requerida então procurava ficar com os filhos; [...] que pelo histórico familiar, a requerida não tem as mínimas condições de criar e educar os filhos; que é só o requerido A. sair da prisão que a requerida esquece dos filhos (fl. 135 – grifo nosso).
Já a conselheira tutelar Marilda Trentin Hermes relatou:
Na época dos fatos narrados na petição inicial era Conselheira Tutelar e atendeu ocorrências envolvendo a família dos réus. A depoente se recorda que a ré era freqüentemente agredida por seu marido, o réu A., em decorrência das agressões procurava freqüentemente fugir para local incerto a fim de protegê-los. [...] As Conselheiras por diversas vezes aconselharam a ré a buscar afastamento do réu A., todavia ela jamais tomou providências neste sentido. A depoente se recorda que A., quando não estava influenciado pelo álcool, tratava bem seus filhos, porém quando bêbado se tornava um pai negligente. As pessoas que moravam próximo da casa do réu comentavam que ele era ébrio contumaz (fl. 191 – grifo nosso)
Imaculada Edith Celso segue na mesma toada:
A depoente era conselheira tutelar no ano de 2003. [...] A depoente foi até a residência onde estava L. e a encontrou juntamente com o menor A. instalados em um porão, sem qualquer condição de higiene. A ré L. apresentava-se bastante machucada, pois havia sido agredida por seu companheiro, o réu A. A depoente se recorda que a hora em que esteve no local era próximo do meio-dia e a criança não tinha sido alimentada (fl. 193 – grifo nosso).
Ainda que se diga que as agressões físicas eram, na maioria das vezes, perpetradas por A. C. M., não há olvidar que L. M. contribuía para a criação do ambiente familiar hostil, insistindo em conviver sob o mesmo teto com o companheiro violento, em desfavor da integridade física e moral da prole. E tanto isso é verdadeiro que a sogra da apelante procurou novamente a Promotoria de Justiça para relatar que
seu filho A. C. M. encontra-se preso na Cadeia Pública de Chapecó, sendo que, naquele local, recebe seguidas visitas de L. M., a qual tem afirmado que irão "entregar as crianças para ela e que vão liberar a visita para as crianças ir lá visitar ele"; o filho A. também asseverou, quando de uma visita da depoente, há cerca de três meses, que sequer queria a visita dela lá, "mas ela continua indo igual", reiterando que pretende manter relacionamento amoroso com ele, sendo que A. não mantém tal desiderato. A insistência de L. é tanta que esta, no mês passado, chegou a dizer para A. que estaria grávida dele, não acreditando a declarante que tal fato se confirme. Afirmou, ainda, que L. [...] freqüenta casas noturnas como bar da Dulce, Refúgio, Disco de Águas, Luiz, etc., consumindo imoderadamente bebidas alcoólicas e assim, adotando comportamento inadequado – teria discutido, aos gritos, com pessoa conhecida como "Birda" [...]. Há comentários no bairro de que L. não trabalha e estaria, nos locais citados, prostituindo-se (fl. 125 – grifo nosso).
Ademais, a própria apelante afirmou, em seu depoimento pessoal, que
pretende viver com o pai de seus filhos quando este sair da penitenciária, mas somente no caso de mudança de comportamento dele. A depoente visita o pai dos seus filhos na penitenciária aproximadamente uma vez por mês (fl. 194 – grifo nosso).
É de salientar, também, que o comportamento desregrado da recorrente não tem como causa única o consorte, pois basta ver o que está consignado no BO de fl. 245, que diz que N. N.
passou a ser ameaçada e difamada pela Sra. L. M. e D. N. Que não é de hoje que tais ofensas ocorrem e que já tiveram outras audiências mas que não adiantou por vias amigáveis e que gostaria que o caso fosse para o Fórum para que termine de uma vez por todas estas confusões. Que L. inclusive tentou pular na comunicante de faca.
Há provas de que a companhia da mãe não favorece o desenvolvimento emocional das crianças, tanto que do ofício n. 243/03, expedido pelo Conselho Tutelar, consta que A. M. C. está sob abrigo e "quando a mãe vai visitá-lo, A. chora muito, fica nervoso durante a visita e quando ela vai embora a criança se acalma e fica tudo bem, não pede mais a mãe" (fl. 31).
É evidente, pois, o clima de instabilidade a que estavam expostas as crianças, tratadas com descaso e constantemente deixadas aos cuidados de vizinhos ou de parentes, sem uma referência de lar. E o ponto mais triste e crucial de todo esse descaso em face dos direitos de A. M. C., J. M. e A. M. reside no fato de que o Estado usou de todos os recursos disponíveis na vã tentativa de manter as crianças na família natural, incluindo-a no Programa Leite e na distribuição de cestas básicas (fls. 46, 55 e 59), disso nada resultando de positivo, pois ao longo de três anos de instrução processual L. M. não apresentou nenhum progresso comportamental, sequer demonstrou a intenção de proteger os filhos das violências praticadas pelo companheiro. Portanto, não há cogitar de falta de prova da alegada negligência em relação à integridade física e ao desenvolvimento moral e psíquico das crianças.
Também não se pode admitir que a postura materna seja conseqüência exclusiva da situação financeira precária por que L. M. passa.
Na verdade, suas más atitudes dão conta de seu reiterado desprezo pelos filhos, o que não se reverte somente com a orientação ou o amparo financeiro do Estado. Por isso, a decretação da extinção do poder familiar, no intuito de proporcionar a A. M. C., J. M. e A. M. condições de uma vida digna e protegida pelo devido respeito de todos, é medida que se impõe, havendo sobejas razões a ensejar o ato judicial de supressão do poder familiar da apelante porque, além do dever cometido à família, à sociedade e ao Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, há que dizer do direito que têm as crianças de serem postas a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, na forma exigida no artigo 227 da Constituição Federal e reprisada no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 22, de forma complementar, ao dizer: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. De outra parte, não há esquecer a dicção do artigo 1.638 do Código Civil:
Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
Ora, o ato de abandonar pode ser conceituado, aqui, como aquele em que, por qualquer razão, os pais não guardam convenientemente seus filhos, privando-os da convivência familiar, não lhes proporcionando alimentação, saúde, educação, segurança e lazer, entre outros, sendo prestadio invocar lição do eminente Silvio Rodrigues a respeito disso:
Abandono não é apenas o ato de deixar o filho sem assistência material, fora do lar. Mas o descaso intencional por sua criação, educação e moralidade (Direito civil: família. São Paulo: Saraiva. v. IV, p. 328).
Acresce dizer que
o conceito jurídico de abandono se contém nas leis de proteção ao menor e, em última análise, é definido quando o menor, por negligência, incapacidade ou perversidade dos pais, ficar permanentemente exposto a grave perigo quanto à saúde, à moral e à educação, de forma comprometedora de sua formação como ser humano (TJSP, Rel. Des. Batalha de Camargo – RT 507/104 in BUSSADA, Wilson. Código civil brasileiro interpretado pelos tribunais. v. II, tomo VI, p. 359).
Nesta Câmara decidiu-se, sob a relatoria do eminente Desembargador Mazoni Ferreira, acompanhado pelo voto deste Relator e do voto do eminente Desembargador Monteiro Rocha, da seguinte forma:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PÁTRIO PODER – MENORES SOB A GUARDA DE TERCEIRA PESSOA – MÃE BIOLÓGICA QUE NÃO REÚNE CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS E MATERIAIS PARA ASSUMIR A GUARDA DAS FILHAS – AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES ESSENCIAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS INFANTES – ABANDONO CARACTERIZADO – INTELIGÊNCIA DO ART. 395 DO CC – DESEJO MANIFESTO DAS INFANTES EM PERMANECER COM OS GUARDIÃES – SUPREMACIA DOS INTERESSES DA CRIANÇA – RECURSO PROVIDO.
A destituição do pátrio poder é justificável quando demonstrado que os pais biológicos não reúnem condições psicológicas suficientes e não proporcionam a seus filhos, de tenra idade, o mínimo de condições para seu desenvolvimento saudável e com dignidade, deixando de ministrar-lhes assistência material adequada e submetendo-os a maus tratos, com prejuízos irreversíveis para a sua boa formação (Ap. Cív. n. 2000.010453-1, de Blumenau, j. 05/12/2002).
Como visto, é de concluir-se que a mãe biológica L. M. não reúne condições de ter os filhos A. M. C., J. M. e A. M. sob seu poder familiar, caracterizadas que estão as ofensas aos dispositivos de lei já mencionados no corpo desta decisão.
Em face disso, conheço do recurso de apelação e nego-lhe provimento.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, conheceram do recurso e negaram-lhe provimento.
O julgamento foi realizado no dia 14 de fevereiro de 2008 e dele participaram, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Mazoni Ferreira (Presidente) e Newton Janke. Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Aurino Alves de Souza.
Florianópolis, 31 de março de 2008.
Luiz Carlos Freyesleben
RELATOR
fonte: http://www.cc2002.com.br/noticia.php?id=626
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2 comentários:
Olá, tudo bem?
Muito legal o seu blog.
Por pesquisas jurídicas realizadas pelo google acabei encontrando-o.
Estou com uma dúvida, e não estou conseguindo encontrar resposta, vou deixá-la abaixo, se puder me ajudar, agradeço antecipadamente, se não houver resposta, quem sabe pode ao menos gerar alguma discussão jurídica! Como diz Jostein Gaarden em "O dia do Curinga": "Quando a gente entende que não entende alguma coisa é que a gente está prestes a entender tudo". Tomara!...rs Abraços, Vivian Ishisato. (vi_ishisato@hotmail.com).
Podemos entender que a interdição, decretada judicialmente considerando um dos pais absolutamente incapaz, é uma causa extintiva do poder familiar para este, já que necessita o interditado de representação para todos os atos civis? - sendo uma causa extintiva do poder familiar existem as conseqüências alimentares, abrindo margem a uma exoneratória, por exemplo. Um caminho seria a resposta à pergunta: o art. 1635, CC possui um rol taxativo ou exemplificativo? Se exemplificativo, em tese, seria possível...) ...O que vc acha?!
Vamos pensar por partes:
1. a interdição é temporária ou definitiva? Total ou parcial?
Suponhamos que seja total e definitiva. O indivíduo se transformou em um vegetal, para o resto da vida.
Isto é apenas uma suposição, posto que o instituto da curatela é, em essência, temporária: cessada a causa da interdição, a curatela terminará.
E tanto a instituição como o encerramento serão declarados por sentença judicial, depois de prova pericial.
Ele tem filhos - dependentes - que vivem sob a sua responsabilidade.
O poder familiar implica direitos e deveres, inclusive na vigilância dos incapazes.
Se ele é incapaz, não poderá exercer os seus deveres, nem poder responder pela culpa in vigilando.
Da mesma forma, quando um casal se separa, o poder familiar é exercido pelo ascendente que mantém a guarda - apesar de responder por culpa aquele que estiver com os menores.
Assim, no nosso caso, a interdição é causa extintiva do poder familiar.
Se fosse uma interdição temporária (como de regra) o poder familiar é suspenso, até que seja retornado o status quo ante.
Dependeria do tempo.
Se a interdição se desse por alguns meses, não haveria problema.
Mas se suspenso por cinco anos, não seria, talvez, do interesse dos menores retornar ao lar do recuperado.
Resolvido o poder familiar, pensemos no próximo passo:
2. O conceito de curatela o define como "um INSTITUTO ASSISTENCIAL, destinado a reger os bens e a pessoa DAQUELES QUE POR SI SÓS não estão em condições de o fazer".
Na verdade não abriga apenas os bens, mas as obrigações também.
A curatela envolve uma pessoa em situação que não possa cuidar de si mesma e de seus bens.
É o caso do pródigo, do enfermo, do deficiente físico, do toxicômano, etc.
Só existirá a curatela se existir um processo de interdição e o juiz proferir uma decisão, nomeando o curador para cuidar dos encargos.
Como encargos entende-se pagar o aluguel, a luz, as dívidas do curatelado, que caberão ao curador.
O artigo 1.778 do Código Civil estende a autoridade do curador à pessoa e AOS BENS DOS FILHOS DO CURATELADO, observado o art. 5o.
Dessa forma, o curador dos pais será também o dos filhos do curatelado. É a chamada CURATELA PRORROGADA.
Por fim, temos:
3. O juiz decidirá no interesse DO CURATELADO e DOS FILHOS DO CURATELADO.
Naturalmente, a melhor opção será aquela em que o curador prorroga a curatela.
Mas pode ser que o juiz decida por nomear curador ao incapaz e tutor aos filhos.
Se isso ocorrer, e o tutor precisar de rendimentos para o alimento (moradia, alimentação, educação, saúde, vestimenta) dos filhos do curatelado, não entendo porque o juiz não deferiria o pedido, uma vez que estará presente o binômio necessidade x disponibilidade.
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