O casamento feito meramente por interesse financeiro configura erro essencial e pode ser anulado. Oentendimento levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a tornar sem efeito um matrimônio ‘‘arranjado’’ pelo pai da noiva na Comarca de Planalto.
O noivo, que se disse
agricultor "humilde e ingênuo", segundo a decisão, pediu a anulação do ato porque a esposa saiu de casa um mês depois. Ela teria ficado frustrada porque ele não recebeu o pagamento de uma esperada indenização. Como o juízo local julgou improcedente o pedido, ele apelou ao TJ-RS.
O relator da Apelação, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, entendeu que o casamento foi celebrado a partir de premissa do amor desinteressado, mas que se fragilizou rapidamente, revelando puro interesse patrimonial por parte da mulher.
Como ficou claro que o autor ignorou as consequências de ter assinado o pacto antenupcial, o colegiado considerou estar caracterizada hipótese de ‘‘erro essencial’’, como prevê o artigo 1.557 do Código Civil, que diz respeito à identidade, honra e boa fama. É um erro tal que o seu conhecimento ulterior torna insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado, reconheceu a Câmara.
Nesse sentido, conforme registrou o acórdão, cabe ao juiz examinar a prova e as circunstâncias que envolvem o casamento, para definir sobre o erro de identidade, honra e boa fama. E, nesse passo, será importante averiguar a situação social, cultural e econômica dos cônjuges.
Para corroborar o seu voto, o relator citou entendimento do ex-ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, do Superior Tribunal de Justiça. Diz este, no excerto de voto, se referindo a caso similar: "Clovis Bevilaqua observou a dificuldade que teve o legislador para precisar as hipóteses de anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa, optando por um texto indefinido, atribuindo ao juiz a responsabilidade de identificá-las’’. O acórdão foi lavrado dia 2 de maio.
O casoO autor conheceu a mulher no início de agosto de 2009, num encontro promovido pelo pai dela, iniciando namoro com vistas ao casamento — Ele com 35 anos e ela, com 47. Segundo o noivo, a mulher foi sua primeira namorada e nunca antes tivera relações sexuais.
Antes de morarem juntos, no dia 3 de agosto — 30 dias depois de se conhecerem —, ambos assinaram um pacto antenupcial, elegendo o regime da comunhão universal de bens. O noivo é dono de um imóvel e tinha a expectativa de receber uma indenização.
Mas, uma vez casada, a mulher passou a exigir dinheiro do marido. Descontente com a situação, 30 dias após a realização do matrimônio, ela abandonou o lar, levando consigo alguns móveis da residência.
Segundo alegou o noivo no processo, a companheira não tinha qualquer interesse em manter relações sexuais e fortes indícios davam conta de que ela mantivesse relacionamento extraconjugal. "Foi provado que a apelada exigia dinheiro para ter com ele relações sexuais, sendo que a vida desregrada da mulher foi conhecida somente após o casamento", disse o relator do caso, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, citando alegações do companheiro. Seu voto autorizando a anulação do casamento foi acompanhado à unanimidade.
Fonte: Conjur
Comente,
divulgue, assine. Será sempre bem recebido!
Conheça
mais. Faça uma visita aos blogs disponíveis no perfil: artigos e anotações
sobre questões de Direito, Português, poemas e crônicas
("causos"): https://plus.google.com/100044718118725455450/about.
Esteja à vontade
para perguntar, comentar ou criticar.
Maria da
Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC –
Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
Conheça o acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE CASAMENTO.
ALEGAÇÃO DE ERRO ESSENCIAL. SENTENÇA
REFORMADA PELA ESPECIFICIDADE DO CASO.
DOUTRINA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
O apelante, pessoa de pouca instrução, se viu
rapidamente envolvido e, concomitantemente ao
momento que conheceu a recorrida, já firmou
pacto antenupcial de comunhão universal de bens
e, em 30 dias, se casaram. Os fatos que dão causa
ao pedido (ingenuidade do varão, ignorância
acerca das consequências da escolha do regime
de comunhão universal de bens e alegação de que
a mulher pretendia, apenas, aquinhoar seu
patrimônio), no caso dos autos, são suficientes
para caracterizar hipótese de erro essencial (art.
1.557 do CCB - erro quanto à honra e boa fama).
DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME.
APELAÇÃO CÍVEL OITAVA CÂMARA CÍVEL
Nº XXXXXXXXXXXXX COMARCA DE PLANALTO
V.C.S.
..
APELANTE
O.M.S.
..
APELADO
A CÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE) E DES. ALZIR FELIPPE
SCHMITZ.
Porto Alegre, 02 de maio de 2013.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,
Relator.
R E L AT ÓRI O
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)
Cuida-se de apelação interposta por V.C.S. em face da
sentença das fls. 89-90v. que, nos autos da ação de anulação de casamento
ajuizada contra O.M.S., julgou improcedente o pedido.
Sustenta que: (1) restou demonstrado pela prova dos autos
que foi induzido em erro, sendo o casamento agenciado pelo pai da
recorrida; (2) havia interesse econômico em razão de possível recebimento
de indenização pelo recorrente, o que não ocorreu, vindo a gerar a precoce
separação do casal; (3) a recorrida não tinha qualquer interesse em manter
relações sexuais com o apelado e há fortes indícios nos autos de que
mantivesse relacionamento extraconjugal; (4) é pessoa ingênua e de
‘poucas luzes’, sendo o casamento celebrado pelo regime da comunhão
universal de bens; (5) não tinha a mínima percepção de que pelo regime
escolhido se comunicariam todos os bens, portanto, o único imóvel que
possui; (6) o casamento durou apenas um mês; (7) foi provado que a
apelada exigia dinheiro para ter com ele relações sexuais, sendo que a vida
desregrada da mulher foi conhecida somente após o casamento; (8) estão
configurados o erro in persona e a insuportabilidade da vida em comum disto
decorrente. Requer o provimento da apelação para que seja anulado seu
casamento (fls. 91-95).
Houve oferta de contrarrazões (fls. 98-102).
O Ministério Público opinou pelo não provimento do recurso
(fls. 105-106v.).
Vieram os autos conclusos, restando atendidas as disposições
dos arts. 549, 551 e 552 do CPC, pela adoção do procedimento
informatizado do Sistema Themis2G.
É o relatório.
V O TO S
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)
De início devem ser destacados alguns fatos do processo.
Na petição inicial V. afirma que conheceu O. em agosto de
2009 em encontro promovido pelo pai dela e iniciaram namoro com a
finalidade de casamento. A partir dessa data, O. passou a viver na
residência do apelante e em 04-09-2009 foi celebrado o casamento – ele
contava 35 anos e ela 47 (fl. 11).
Ao fim de 30 dias de casamento, a mulher abandonou o lar,
levando consigo alguns móveis da residência.
O primeiro ponto que merece destaque, e surpreende, se
refere à celebração do pacto antenupcial, cuja escritura pública foi lavrada
em 03-08-2009 (fl. 12), ou seja, pelos mesmos dias em que V. diz ter
conhecido a esposa, e o regime eleito foi da comunhão universal de bens.
V. é pessoa jovem, mas que nasceu em cresceu no interior,
tendo estudado até a quarta série do ensino primário.
Quando ouvido em juízo, disse que O. foi sua primeira
namorada e antes nunca tivera relações sexuais com qualquer outra mulher.
Justificou o casamento em curto período de tempo por ela lhe dizer que
gostava do lugar e que ali queria viver com ele, mas depois do casamento a
apelada passou a lhe exigir dinheiro – que ele não tinha (fls. 53v-55v.).
Com os demais depoimentos se confirma que o apelante, de
hábitos simples, tinha vida mais reclusa, voltada às atividades agrícolas,
sendo pessoa com poucas luzes. Inclusive o Oficial dos Registros Públicos
de Alpestre, arrolado como testemunha da apelada, disse ao juízo que V.
parecia uma pessoa de poucos conhecimentos, “analisando a pessoa dele
me parece ser uma pessoa não muito ligada nos negócios né, sei lá, pouco
conhecimento de repente por pouco estudo ...” (fl. 65).
Neste contexto, a toda a evidência que elegeu açodadamente o
regime da comunhão universal de bens, sem maior conhecimento acerca da
namorada e futura mulher.
Feitas estas considerações, e sendo a alegação de erro
essencial quanto à pessoa o fundamento trazido pelo apelante para o pedido
de anulação de casamento, a propósito, sirvo-me de comentário de SILVIO
DE SALVO VENOSA1
acerca do art. 1.557 do CCB:
(...) No casamento, cuida-se de erro quanto à pessoa do outro
cônjuge. No que diz respeito a esse aspecto, o art. 139, II, da Parte
Geral dispõe que o erro é substancial quando ‘concerne à identidade
ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a
declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo
relevante.’
(...)
A identidade da pessoa pode referir-se à identidade natural e à
identidade civil. (...).
A questão controverte-se quanto à identidade civil, a forma pela
qual a pessoa é conhecida em sociedade. Nhá um conceito
estanque a respeito, muito divergindo os autores. Cabe ao juiz, no
arguto exame da prova e das circunstâncias que envolvem o
casamento, definir sobre o erro de identidade, honra e boa fama,
de molde que o conhecimento ulterior pelo cônjuge enganado torne a
vida em comum insuportável. Nesse exame probatório, será
importante averiguar a situação social, cultural e econômica dos
cônjuges. (...).(destaquei)
O ordenamento refere-se à honra e boa fama. A situação deve
ser vista principalmente em relação ao cônjuge que se diz enganado:
se tinha conhecimento ou as circunstâncias denotavam que devia
saber com quem estava-se casando, não se anula o casamento.
E prossegue o doutrinador:
Em verdade, o que a lei pretende, permitindo a anulação de
casamento, em havendo erro sobre a identidade civil ou social é
assegurar o outro cônjuge contra uma situação de constrangimento e
sofrimento moral profundo. É por isso que somente diante do caso
concreto será possível aferir a presença da hipótese em estudo
(VIANA, 1998ª, p.100)2
1 Código Civil Interpretado. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 1.603.
2 Op. cit., p. 1.604.
Adito esta análise com os ensinamentos de MARIA HELENA
DINIZ3
:
Bastante complexa é a questão do erro relativo à identidade
civil, cabendo ao magistrado decidir se as qualidades, sobre as quais
recaiu o erro do outro cônjuge, são, ou não, essenciais, levando em
conta as condições subjetivas do consorte enganado e as
circunstâncias peculiares de cada caso.
Adiante, a autora escreve que:
Pode o cônjuge incidir em erro sobre a honra e boa fama do
outro, tornando assim possível a anulação do casamento. Para
Washington de Barros Monteiro, ‘honra é a dignidade da pessoa que
vive honestamente, que pauta seu proceder pelos ditames da mora;
é o conjunto dos atributos morais e cívicos que torna a pessoa
apreciada pelos concidadãos. Boa fama é a estima social de que a
pessoa goza, visto conduzir-se segundo os bons costumes’.4
Em conclusão, cito precedente deste Colegiado em razão da
similitude com o caso dos autos e que corrobora o entendimento aqui
exposto:
APELAÇÃO. ANULATÓRIA DE CASAMENTO. ERRO ESSENCIAL.
OCORRÊNCIA. AÇÃO DE SEPARAÇÃO CUMULADA COM
ALIMENTOS. EXTINÇÃO. RECURSO ADESIVO. NÃO
CONHECIMENTO. Caso em que restou bem demonstrado que a
apelada, ao aceitar casar com o apelante, tinha apenas a intenção
de obter metade do patrimônio dele, e que sequer admitiu a
ocorrência de relação sexual, nos menos de 03 meses de
convivência conjugal. Hipótese na qual resta bem caracterizado o
erro essencial, que deve levar à decretação de anulação do
casamento. (...) Precedentes jurisprudenciais. DERAM
PROVIMENTO AO APELO, EXTINGUIRAM SEM APRECIAÇÃO DE
MÉRITO A AÇÃO DE SEPARAÇÃO CUMULADA COM ALIMENTOS
E JULGARAM PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO. (Apelação
3 Curso de Direito Civil Brasileiro. 23.ed. São Paulo:Saraiva, 2008. p. 266.
4 Idem, p. 268.
Cível Nº 70046384459, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 29/03/2012)
E também do STJ:
"CASAMENTO." ANULAÇÃO. ERRO ESSENCIAL. IMPRUDENCIA.
A MULHER QUE ACEITA CONTRAIR CASAMENTO APOS
QUATRO OU CINCO MESES DE NAMORO, AINDA QUE NÃO
TENHA TIDO PERFEITAS CONDIÇÕES PARA CONHECER AS
CIRCUNSTANCIAS QUE DEPOIS TORNARAM INSUPORTAVEL A
VIDA EM COMUM, NÃO ESTA INIBIDA DE PROMOVER COM
EXITO A AÇÃO DE ANULAÇÃO DO CASAMENTO, POR ERRO
ESSENCIAL. ARTS. 218 E 219, I DO CC.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(REsp 86405/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR,
QUARTA TURMA, julgado em 10/09/1996, DJ 14/10/1996, p. 39012)
De outro julgado, também de relatoria do em. Ministro RUY
ROSADO, transcrevo excerto de seu voto:
- Clovis Bevilaqua observou a dificuldade que teve o legislador para
precisar as hipóteses de anulação do casamento por erro essencial
quanto à pessoa, optando por um texto indefinido, atribuindo ao juiz
a responsabilidade de identificá-las. No caso da segunda hipótese
do inciso primeiro do art. 219, o arbítrio judicial ficou limitado
pelos conceitos de honra e boa fama e pelo final do dispositivo
(que o conhecimento do fato seja ulterior e torne insuportável a vida
em comum - Código Civil Comentado, 2/87/88).
Honra está ligada à idéia de dignidade da pessoa, que há de
pautar seu comportamento pelos princípios éticos vigorantes na
comunidade; boa fama corresponde à reputação de que o
indivíduo goza no meio social onde vive. O defeito deve ser tão
grave que o conhecimento ulterior torne a vida em comum
insuportável. Reunidos esses pressupostos, evidenciados pelos
dados objetivos constantes do processo, pode o juiz identificar ali a
causa do desfazimento do vínculo.5
(destaques deste Relator)
5 CASAMENTO. Anulação. Erro essencial. Honra e boa fama.
Não se decreta a anulação do casamento com base no art. 219, I, segunda parte, do Código
Civil apenas porque o noivo assumiu compromissos comerciais acima de suas posses,
registrando dívidas vencidas com fornecedores e outros credores. Tendo as instâncias
ordinárias admitido que a noiva sabia da situação econômica do réu, com cinco anos de
No caso dos autos, está suficientemente evidenciado que o
casamento foi realizado a partir de premissa do amor desinteressado, que se
fragilizou rapidamente, e se revelou como puro interesse patrimonial, o que
configura erro essencial quanto à pessoa da apelada.
Oportuno referir, por fim, que O., não obstante a citação por
edital e nomeação de curador especial, compareceu no cartório judicial,
sendo citada (fl. 68). Constituiu advogado e peticionou na fl. 70 dizendo que
ela não se opunha ao pedido de anulação de casamento, com
desconstituição do pacto antenupcial – apesar de não ser a anulação de
casamento ato de disponibilidade dos litigantes.
Nesses termos, por todo o exposto, DOU PROVIMENTO à
apelação para julgar procedente o pedido, anulando o casamento do casal
litigante.
Em decorrência, inverto os ônus sucumbenciais. Defiro o
pedido de AJG, formulado pela requerida na fl. 70 (e não apreciado na
origem), em razão do que resta suspensa a exigibilidade dessa verba.
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ (REVISOR) - De acordo com o(a)
Relator(a).
namoro e noivado para conhecer a sua personalidade, e sendo ela de formação superior,
ficam faltando os pressupostos para que se reconheça erro essencial a respeito da pessoa
do cônjuge, sua honra e boa fama.
Recurso não conhecido.
(REsp 134690/PR, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em
21/09/2000, DJ 30/10/2000, p. 160)LFBS
Nº 70052968930
2013/CÍVEL
DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº XXXXXX,
Comarca de Planalto: "DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: MARIO AUGUSTO FIGUEIREDO DE LACERDA
GUERREIRO
Fonte : TJRS
Nenhum comentário:
Postar um comentário