A agilidade da prestação jurisdicional tem sido o tema
de maior preocupação e discussão entre os operadores do direito nacional.
É assunto presente em qualquer entrevista ou discussão que envolva a
Justiça ou algum de seus integrantes.
Após a entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º
45, batizada como a Emenda da Reforma do Poder Judiciário, lançou-se um
pacote de medidas legislativas com o propósito de reformar a legislação
infraconstitucional, mormente a processual civil. Desde então, diversas leis
foram criadas e alteradas, sempre tendo em mira o objetivo maior:
desafogar o Poder Judiciário e, consequentemente, agilizar a prestação
jurisdicional.
A alteração legislativa mais recente, operada no
Código de Processo Civil, deu-se através da Lei n.º 11.441, publicada em
04 de janeiro do corrente ano, a qual, em síntese, passou a permitir que o
inventário e a partilha sejam feitos por escritura pública, sem necessidade
de intervenção do Poder Judiciário, desde que todos os herdeiros sejam
maiores, capazes e concordes. Passou, também, a autorizar a realização da
separação e do divórcio consensual entre os cônjuges, através de escritura
pública, desde que não haja filhos menores ou incapazes e observados os
requisitos legais quanto aos prazos.
A despeito de a novel legislação estar sendo tema de
inúmeras discussões sobre a forma de sua aplicação prática, notadamente
por não ter havido qualquer preparação dos cartórios extrajudiciais para a
sua operacionalização, o que se pretende neste simplório texto é demonstrar
que com a entrada em vigor da Lei n.º 11.441/07, a única forma de se
realizar o inventário, a partilha, a separação e o divórcio consensual passou
a ser a via extrajudicial, não mais sendo possível utilizar-se o Poder
Judiciário para os referidos fins.
À conclusão mencionada chega-se não através da
interpretação literal dos termos da Lei n.º 11.441/07, mas da análise
sistemática do referido dispositivo, confrontando-o com os mais
importantes institutos processuais, assim como com os fundamentos que
legitimam a utilização do direito constitucional de ação.
2
A propósito, a análise mais apressada do texto
legislativo em testilha, mormente a realização de sua simples interpretação
literal (quase nunca recomendada), enseja o intérprete a concluir que a
novel legislação pretendeu instituir uma faculdade ao jurisdicionado,
permitindo-lhe a realização extra ou judicial do inventário, da partilha, da
separação e do divórcio consensual. E tal se dá em virtude de ter constado
na nova redação dada ao art. 982 e no recém criado art. 1124-A do Código
de Processo Civil a expressão "poderá".
Todavia, a análise mais acurada dos dispositivos da Lei
11.441/07, mormente o seu confronto com institutos bases do processo
civil, evidencia que, a partir de agora, a única opção para a realização de
inventário, partilha, separação e divórcio consensual é a via administrativa,
extrajudicial.
Longe de ser questão jurídica complexa, a conclusão
mencionada é tomada a partir do momento que o problema é vislumbrado
levando em conta as condições para o exercício do direito de ação, em
especial o interesse de agir (interesse-necessidade).
A parte, frente ao Estado-Juiz, dispõe de um poder
jurídico, que consiste na faculdade de obter a tutela para os próprios
direitos ou interesses, quando lesados ou ameaçados, ou para obter a
definição das situações jurídicas controvertidas. É o direito de ação, de
natureza pública, por referir-se a uma atividade pública, oficial, do Estado.
Para aqueles que, segundo as mais modernas
concepções, entendem que a ação não é o direito concreto à sentença
favorável, mas o poder jurídico de obter uma sentença de mérito, isto é,
sentença que componha definitivamente o conflito de interesses de
pretensão resistida (lide), as condições da ação são três: possibilidade
jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade de parte (Curso de
Direito Processual Civil, Humberto Theodoro Júnior, vol. I, 44ª ed., pag.
63).
O interesse de agir "...surge da necessidade de obter
através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa
maneira, que há interesse processual 'se a parte sofre um prejuízo, não
propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita
exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais'.
3
Localiza-se o interesse processual não apenas na
utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio
apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela
jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte
Allorio. Essa necessidade se encontra naquela situação 'que nos leva a
procurar uma solução judicial, sob pena de, se não fizermos, vermo-nos na
contigência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que
nos afirmamos titulares)'..." (Humberto Theodoro Júnior, op. cit., p. 65-
66).
Ao lado da principal atividade do Poder Judiciário, que
consiste em resolver o conflito de interesses qualificado por uma pretensão
resistida (lide), a lei, em casos especiais, pode atribuir ao aludido Poder
outras funções, quando o interesse público justificar.
"Enquanto a solução jurisdicional dos conflitos é
natural e necessária, outras questões podem ser jurisdicionalizadas pela
lei, que pode obrigar a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Como a
liberdade jurídica permite que se faça tudo o que a lei não proíbe ou que
se não faça o que a lei não manda, somente nos casos expressos em lei, os
efeitos jurídicos de certos negócios privados estão condicionados à
apreciação e autorização judicial. Estes são os casos de jurisdição
voluntária, nos quais o Judiciário, por força de lei, se interpõe como
indispensável à realização de determinado ato ou à obtenção de
determinado efeito jurídico.
O interesse processual necessidade, que, na jurisdição
contenciosa, decorre da sistemática geral de que ninguém pode fazer
justiça pelas próprias mãos, na jurisdição voluntária decorre de lei, que
impede a prática do ato sem a intervenção e autorização judicial.
Daí decorre que a jurisdição voluntária só atua em
face de texto expresso de lei. Se a lei não obriga a autorização judicial, as
partes não têm interesse processual em recorrer ao Judiciário" (grifo) (in
Direito Processual Civil Brasileiro, 3º vol., 14ª ed., Vicente Greco Filho).
Ora, a partir do momento que os dispositivos da Lei
11.441/07 passaram a estabelecer que não é mais necessária a atuação do
Poder Judiciário para que surtam efeitos jurídicos os atos de separação e
divórcio consensual (procedimentos de jurisdição voluntária), que podem
ser feitos por simples escritura pública, patente que as partes não mais
detém interesse processual em recorrer ao aludido Poder para os referidos
fins.
4
Da mesma forma, se não há mais necessidade de se
procurar solução judicial para os inventários e arrolamentos que envolvam
partes maiores, capazes e concordes, resta evidente a ausência de interesse
processual na ação que busca a homologação dos referidos atos.
Tanto nos casos de inventário e partilha, quanto nos
casos de separação e divórcio consensual, desde que respeitados os
requisitos estabelecidos na Lei 11.441/07, as partes não sofrerão qualquer
prejuízo se deixarem de propor ação perante o Poder Judiciário e buscarem
a solução extrajudicial para o problema.
Assim, não resta outra conclusão, que não a de que,
com a entrada em vigor da Lei 11.441/07, não há mais interesse
processual e, consequentemente, direito de ação, àquelas pessoas que,
enquadradas nas hipóteses legais, pretendam a homologação judicial
de inventário, partilha, separação ou divórcio consensual, sendo
obrigatório o uso da via administrativa, extrajudicial.
Frisa-se que, como já foi dito, a Lei 11.441/07 foi
criada com o propósito de desafogar o Poder Judiciário, num momento em
que se buscam soluções extrajudiciais para os problemas da sociedade.
Acaso se entenda ser uma faculdade da parte a realização extrajudicial ou
judicial do inventário, da partilha, da separação ou do divórcio consensual,
certamente a lei criada não irá atender o seu objetivo, posto que a solução
judicial será a mais procurada, seja pela maior segurança jurídica que
proporcionará, seja pelo menor dispêndio financeiro que acarretará.
A propósito, estudos prévios já realizados indicam que
o custo monetário da realização extrajudicial de um arrolamento ou
inventário consensual será infinitamente superior ao de um processo
judicial com o mesmo fim.
Ora, diante das inúmeras dificuldades financeiras que
atravessa a maioria da população pátria e frente a sua característica
essencialmente materialista, patente que se a ela for dada a opção de
realizar um arrolamento consensual pela via extrajudicial, com custos mais
elevados, ou através da intervenção do Poder Judiciário, onde terá menores
gastos, certamente irá preferir esta última solução, por ser economicamente
mais viável. Assim, a Lei 11.441/07 terá entrado em vigor, mas nem de
longe conseguirá surtir o efeito desejado, qual seja, de auxiliar na redução
do número de demandas e, consequentemente, na agilização da prestação
jurisdicional. Será, certamente, um dispositivo legal nat morto.
5
O que se recomenda é que a comunidade jurídica e a
sociedade organizada busquem fazer gestão frente às Corregedorias de
Justiça Estaduais, no sentido de operar-se uma redução do valor das custas
e emolumentos para a realização extrajudicial dos atos previstos na Lei n.º
11.441/07, a fim de torna-la economicamente viável.
Frisa-se, por fim, que por questão de justiça e até
mesmo de boa política civil, aos processos já em andamento antes da
entrada em vigor da Lei 11.441/07, onde se pretende a homologação
judicial de inventário, arrolamento, separação e divórcio, não se deve dar o
destino da extinção, por falta de interesse de agir superveniente. Isso para
se evitar que as partes não sejam ainda mais prejudicadas, posto que, além
de já estarem aguardando um resposta jurisdicional para a questão
apresentada, certamente já terão operado gastos com custas judiciais,
contratação de advogados, dentre outros. A sugestão é que apenas aos
novos casos seja dado o destino inevitável da carência de ação.
José de Andrade Neto
Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Aquidauana – Mato
Grosso do Sul
fonte: http://www.tj.ms.gov.br/noticias/artigos/20070206083235.pdf
Informações jurídicas do jeito que você compreende. Anotações, artigos, jurisprudência e julgados para entender o Direito. Direito de família e sucessões: pensão alimentícia, curatela, divórcio, interdição, herança, inventário e partilha, emancipação etc.
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4 comentários:
Um senhor foi casado duas vezes em comunhão universal de bens, na 1ª união teve três filhos, e na 2ª nove. Ao ficar viúvo, não deu bens à inventário, sempre foi mecânico possuíndo desde jovem uma oficina bem montada assim como morava em casa própia. A última moradia foi comprada na constância do último casamento. Hoje, já falecido juntamente com suas esposas, como será a divisão do único bem que foi deixado (a casa)?
Caro Patrick
Se esta casa foi comprada com o patrimônio arrecadado durante a vigência do primeiro casamento, os primeiros três filhos terão uma participação maior, uma vez que herdam 50% da mãe, primeira mulher do falecido.
O patrimônio dele (50% do total) será amealhado entre todos os filhos e a parte que couber às duas esposas entre os filhos delas.
Suponhamos que ele tivesse 50 mil, no primeiro casamento: 25 mil é dele (e de todos os filhos) e 25 mil pertence à esposa (e aos 3 primeiros filhos).
No segundo casamento, vende o imóvel anterior e compra outro, no valor de 75 mil.
Aos outros nove filhos caberá a metade de 25 mil, além dos 25 mil da parte dele, que é dividido entre todos.
Seria esse o caso?
A minha mãe morou com meu padastro por 25 anos, porém ele morreu em 2004, e deixou uma casa.
Mas ele tinha uma esposa que faleceu, há muito tempo, e com ela teve três filhos.
Os filhos dela entraram com um processo na justiça, a minha mãe tem algum direito?
Se tiver o quê ela tem de fazer?
Sua mãe tem direitos, sim. Ela, como companheira, concorre com os filhos que o seu padrasto deixou.
Mas é preciso uma sentença que declare o companheirismo.
Ela deve contratar um advogado de confiança e ingressar com a ação.
Boa sorte!
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