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domingo, 28 de julho de 2013

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO ASSEGURA MORADIA VITALÍCIA AO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO SOBREVIVENTE

Há dois direitos garantidos pela legislação brasileira que 
se tornam colidentes em algumas situações: o direito 
de propriedade sobre fração de imóvel e o direito real 
de habitação. Isso porque, de um lado, filhos querem 
ter garantido o direito à herança após a morte do 
ascendente e, de outro, o cônjuge (ou companheiro) 
sobrevivente, que residia na propriedade do casal, 
deseja preservar a permanência no imóvel. 

A ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior 

Tribunal de Justiça (STJ), entende que "é necessário 
ponderar sobre a prevalência de um dos dois institutos, 
...(clique em "mais informações" para ler mais)

ou, ainda, buscar uma interpretação sistemática que 
não acabe por esvaziar totalmente um deles, 
em detrimento do outro".

De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 

também da Terceira Turma, o cônjuge sobrevivente 
tem direito real de habitação sobre o imóvel em 
que residia o casal, "desde que seja o único dessa 
natureza e que integre o patrimônio comum ou o 
particular de cada cônjuge no momento da abertura 
da sucessão".

Ele considera que a norma prevista no artigo 

1.831 do Código Civil (CC) de 2002 visa assegurar
 ao cônjuge sobrevivente (independentemente do 
regime de bens adotado no casamento) o direito 
de moradia, ainda que outros herdeiros passem a
 ter a propriedade sobre o imóvel de residência do
 casal, em razão da transmissão hereditária (REsp 1.273.222).

Propriedade e usufruto

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta 

Turma do STJ, o proprietário tem o poder de usar, 
gozar e dispor da coisa, "bem como de reavê-la 
do poder de quem a detenha ou possua injustamente".
 Já o usufrutuário, segundo ele, tem o direito de usar
 e de receber os frutos.

Ele mencionou que, assim como o usufruto, o direito

 real de habitação limita o direito de propriedade. É
 um "direito de fruição reduzido que consiste no poder
 de ocupação gratuita de casa alheia".

Evolução 
O CC/02 representou uma evolução quanto ao tema. 

O CC de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo
 Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62), garantia 
o direito real de habitação sobre o imóvel destinado
 à residência da família apenas ao cônjuge 
sobrevivente casado em regime de comunhão
 universal de bens (parágrafo 2º do artigo 1.611).

Segundo o ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma 

do STJ, a restrição contida no código antigo era 
alvo de severas críticas, "por criar situações de
 injustiça social", principalmente a partir de 1977,
 quando o regime legal de bens do casamento deixou 
de ser o da comunhão universal para ser o da
 comunhão parcial.

"Possivelmente em razão dessas críticas, o

 legislador de 2002 houve por bem abandonar 
a posição mais restritiva, conferindo o direito 
real de habitação ao cônjuge supérstite casado 
sob qualquer regime de bens", afirmou o ministro.

Direito equivalente 
Sidnei Beneti lembrou que, antes do CC/02, a

 Lei 9.278/96conferiu direito equivalente às
 pessoas ligadas pela união estável. De acordo
 com o parágrafo único do artigo 7º, "dissolvida
 a união estável por morte de um dos conviventes,
 o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto
 viver ou não constituir nova união ou casamento, 
relativamente ao imóvel destinado à residência da família".

A partir daí, até o início da vigência do CC/02, a 

interpretação literal das leis então vigentes poderia
 levar à conclusão de que o companheiro 
sobrevivente estava em situação mais vantajosa 
que a do cônjuge sobrevivente (casado em 
regime que não fosse o da comunhão universal 
de bens). Contudo, para o ministro Beneti, "é de
 se rechaçar a adoção dessa interpretação literal
 da norma".

"O casamento, a partir do que se extrai inclusive 

da Constituição Federal, conserva posição
 juridicamente mais forte que a da união estável.
 Não se pode, portanto, emprestar às normas
 destacadas uma interpretação dissonante dessa 
orientação constitucional", declarou.

Equiparação

Em junho de 2011, a Terceira Turma equiparou a 

situação do cônjuge sobrevivente, casado sob o
regime de separação obrigatória de bens (cujo 
cônjuge faleceu durante a vigência do CC/16), à 
do companheiro, quanto ao direito real de habitação.

O casal era dono de um apartamento em área nobre

 de Brasília. Com o falecimento da mulher, em 1981,
 transferiu-se às quatro filhas do casal a meação
 que ela tinha sobre o imóvel. Em 1989, o homem 
casou-se novamente, tendo sido adotado o regime
 de separação obrigatória de bens. Ele faleceu dez
 anos depois, ocasião em que as filhas do primeiro
 casamento herdaram a outra metade do imóvel.

As filhas moveram ação de reintegração de posse

 contra a viúva para tirá-la do imóvel. O juízo de 
primeiro grau indeferiu o pedido com base no artigo
 1.831 do CC/02. O Tribunal de Justiça do Distrito 
Federal manteve a sentença.

Analogia

No STJ, os principais argumentos utilizados pelas 

herdeiras foram a data de abertura da sucessão
 (durante a vigência do CC/16) e o regime de bens 
do casamento (separação obrigatória). Os ministros
 aplicaram, por analogia, o artigo 7º da Lei 9.278,
 dando à viúva o direito de continuar habitando o
 imóvel da família.

"Uma interpretação que melhor ampara os valores

 espelhados na Constituição Federal é aquela 
segundo a qual o artigo 7º da Lei 9.278 
teria derrogado o parágrafo 2º do artigo 1.611
 do CC/16, de modo a neutralizar o
 posicionamento restritivo contido na expressão
 'casados sob o regime da comunhão universal de
bens'", disse o ministro Sidnei Beneti, relator
 (REsp 821.660).

Quarta parte

Caso semelhante foi analisado pela Quarta Turma

 em abril de 2012. Contrariando o entendimento
 adotado pela Terceira Turma, os ministros
 consideraram que, nas sucessões abertas
 durante a vigência do CC/16, a viúva que fora
 casada no regime de separação de bens tem
 direito ao usufruto apenas da quarta parte
 dos bens deixados, se houver filhos (artigo
 1.611, parágrafo 1º, do CC/16).

A única herdeira de um homem que faleceu na

 cidade de Goiânia, em 1999, ajuizou ação contra
 a mulher com quem ele era casado pela 
segunda vez, sob o regime de separação de
 bens. Reconhecendo que a viúva tinha direito 
ao usufruto da quarta parte do imóvel onde
 residia com o esposo, a filha do falecido pediu
 o pagamento de aluguéis relativos aos outros
 três quartos do imóvel.

Aluguéis

O juízo de primeiro grau condenou a viúva ao 

pagamento de aluguéis pela ocupação de três
 quartos do imóvel, somente até 10 de janeiro
 de 2003, data da entrada em vigor do Código 
Civil atual, sob o fundamento de que a nova lei
 conferiu a ela o direito real de habitação, em vez 
do usufruto parcial. A sentença foi mantida pelo
 tribunal de justiça.

A filha recorreu ao STJ. Sustentou que não é 

possível aplicar duas regras sucessórias distintas
 à mesma situação jurídica. O relator do recurso especial,
 ministro Luis Felipe Salomão, não concordou com 
as instâncias ordinárias quanto ao pagamento dos
 aluguéis somente até o início da vigência do novo código.

Segundo ele, o direito real de habitação conferido

 pelo CC de 2002 à viúva, qualquer que seja o 
regime de bens do casamento, não alcança as
 sucessões abertas na vigência da legislação revogada.
 "Com o escopo de não atingir a propriedade e os 
demais direitos reais eventualmente aperfeiçoados
 com a sucessão aberta ainda na vigência do código
 de 16, previu o artigo 2.041 do código atual sua
 aplicação ex nunc [não retroage]", ensinou Salomão.

O ministro explicou que, se não fosse assim, a

 retroatividade do CC/02 atingiria direito adquirido 
da herdeira, "mutilando parcela do próprio direito 
de propriedade de quem o tinha em sua amplitude".
 Diante disso, a Turma deu provimento ao recurso especial (REsp 1.204.347).

União estável

O direito real de habitação assegurado ao companheiro

 sobrevivente pelo artigo 7º da Lei 9.278 incide sobre 
o imóvel em que residia o casal em união estável, 
ainda que haja mais de um imóvel a inventariar.
 Esse entendimento foi adotado pela Terceira Turma
 em junho de 2012.

No caso analisado pela Turma, o Tribunal de Justiça

 do Paraná (TJPR) deu provimento ao recurso do
s filhos de um homem que faleceu em 2005 contra 
sentença que reconheceu o direito real de habitação 
à companheira dele.

Para o TJPR, o direito real de habitação tem por 

finalidade impedir que os demais herdeiros deixem 
o cônjuge sobrevivente sem moradia e desamparado.
 Contudo, havia outros imóveis residenciais a serem 
partilhados no inventário, inclusive um localizado
 em Colombo (PR), adquirido em nome da companheira
 na vigência da união estável.

Última residência

No STJ, a companheira sustentou que mesmo

 havendo outros bens, o direito real de habitação
 deveria recair necessariamente sobre o imóvel que
 foi a última residência do casal. "Do fato de haver 
outros bens residenciais ainda não partilhados, não
 resulta exclusão do direito de habitação, quer 
relativamente ao cônjuge, quer ao convivente em
 união estável", afirmou Sidnei Beneti, relator do 
recurso especial.

O ministro citou doutrina do pesquisador José Luiz

 Gavião, para quem "a limitação ao único imóvel a
 inventariar é resquício do código anterior, em que
 o direito real de habitação era conferido exclusivamente
 ao casado pela comunhão universal".

Gavião explica que, "casado por esse regime, o viúvo 

tem meação sobre todos os bens. Havendo mais 
de um imóvel, é praticamente certo que ficará com 
um deles, em pagamento de sua meação, o que lhe
 assegura uma moradia. Nessa hipótese, não tem 
necessidade do direito real de habitação" (Código 
Civil Comentado, 2003).

A Turma deu provimento ao recurso especial da 

companheira para reconhecer o direito real de habitação
 em relação ao imóvel em que residia o casal quando do óbito.

Segunda família

Em abril de 2013, o STJ reconheceu o direito real 

de habitação sobre imóvel à segunda família de um
 falecido que tinha filhas do primeiro casamento. 
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, adotou
 entendimento diverso, mas ficou vencida. Em seu 
voto, ela deu provimento ao recurso especial das filhas
 do primeiro casamento e determinou a alienação judicial do bem.

A maioria seguiu a posição do
ministro Sidnei Beneti, que proferiu o voto vencedor. 
Ele verificou no processo que todo o patrimônio do 
falecido já havia sido transferido à primeira esposa e 
às filhas após a separação do casal. Além disso, 
enfatizou que o imóvel objeto do conflito era uma 
"modesta casa situada no interior".

Para Beneti, de acordo com a jurisprudência do STJ, 

o direito real de habitação sobre o imóvel que servia de
 residência do casal deve ser conferido ao cônjuge/
companheiro sobrevivente, "não apenas quando houver
 descendentes comuns, mas também quando 
concorrerem filhos exclusivos do de cujos".

Ele citou vários precedentes da Corte, entre os quais,

 "a exigência de alienação do bem para extinção do 
condomínio, feita pelas filhas e também condôminas,
 fica paralisada diante do direito real de habitação
 titulado ao pai".

"A distinção entre casos de direito de habitação 

relativos a 'famílias com verticalidade homogênea' 
não está na lei, que, se o desejasse, teria distinguido, 
o que não fez, de modo que realmente pretendeu 
o texto legal amparar o cônjuge supérstite que 
reside no imóvel do casal", destacou Beneti (REsp 1.134.387).

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