não atendimento da regra do art. 333, I, do CPC. 2. O Art. 557 do Código Civil de 2002 é taxativo ao trazer as hipóteses de revogação da doação por ingratidão do donatário, não admitindo interpretação extensiva.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0331.07.004520-7/001 - COMARCA DE ITANHANDU
Trata-se de ação anulatória de escritura pública de doação, ajuizada por AAJ em desfavor de MEC, aduzindo a autora, basicamente, que é pessoa doente e de idade avançada; que a requerida residia em sua companhia e lhe dava assistência; que, em 13 de outubro de 2005, efetuou a doação, com reserva de usufruto vitalício, de uma casa de mora à requerida; que, após a doação, a requerida se casou e deixou a residência; que passou a contar com o auxílio de vizinhos e de seus filhos.
Com a inicial vieram os documentos de f. 06-30.
Citada, a requerida apresentou contestação, alegando, em suma, que não abandonou o imóvel, mas que fora expulsa dele pela autora.
Audiência de instrução e julgamento às f. 60-65, ocasião em que foram colhidos os depoimentos de cinco testemunhas.
O Ministério Público ofereceu parecer (f. 79-81), opinando pela improcedência do pedido inicial.
Em seguida, veio a sentença de f. 82-83, pela qual o ilustre Juiz singular julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$1.500,00, mas suspensa a exigibilidade da cobrança, nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50.
Inconformada, a autora interpôs apelação às f. 87-92, aduzindo, em resumo, que as provas produzidas nos autos comprovam "o abandono, a ameaça e os maus tratos", ocorridos após o casamento da ré; que as testemunhas noticiaram que a ré manifestou o desejo de morte da autora; que, no dia 02 de junho de 2009, o Sr. José Gabriel Lopes, marido da ré, agrediu fisicamente a autora, conforme relatado em boletim de ocorrência anexado ao recurso.
A ausência de preparo recursal decorre da gratuidade de justiça deferida à autora, ora apelante.
A Douta Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Janete Oliva, opinou pelo desprovimento do recurso.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Inicialmente, ressalto que os fatos novos declinados nas razões recursais, não suscitados no Juízo inferior, como as alegadas agressões sofridas pela autora e o suposto vício na escritura de doação, não serão apreciadas por este órgão ad quem.
Se a questão não foi objeto da impugnação, por consequência não apreciada na sentença, a parte não pode, na fase recursal, inovar para invocar matéria não questionada na instância originária.
Conforme o que dispõe o artigo 515 e seu parágrafo 1º, do CPC, a instância recursal aprecia a impugnação nos limites das questões que foram suscitadas e discutidas no processo, pena de desrespeito ao duplo grau de jurisdição.
Dito isso, passo à análise do recurso na parte em que aborda a ingratidão da donatária, ora apelada.
Extrai-se dos autos que Ana Antônia de Jesus, aduzindo ter sido abandonada por sua neta, donatária do imóvel em que reside, pretende a anulação da escritura pública de doação, por ingratidão.
Pela sentença, o douto Juiz julgou improcedente o pedido inicial, ao fundamento de não ter sido comprovada a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no art. 557 do Código Civil.
Dispõe referido dispositivo:
"Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações:
I - se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele;
II - se cometeu contra ele ofensa física;
III - se o injuriou gravemente ou o caluniou;
IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava".
Como se vê, o deferimento do pedido da autora, visando à revogação da doação feita à requerida, sua neta, por "ingratidão", está condicionado a ocorrência de uma das quatro hipóteses trazidas pelo aludido artigo.
Conforme bem salientou o douto Juiz a quo, o rol previsto no aludido artigo é taxativo, não admitindo interpretação extensiva.
Acerca do tema, nos ensina Caio Mário da Silva que:
"Pode o doador revogar a doação por ingratidão do donatário, tomada a expressão não no seu sentido vulgar, mas em acepção técnica, compreensiva de fatos que traduzam atentado do favorecido contra a integridade física ou moral do doador. Ao contrário do direito alemão, em que a ingratidão consiste em falta grave genericamente considerada, e praticada pelo donatário contra o doador ou seus parentes mais próximos, no nosso a lei enumera taxativamente as hipóteses - numerus clausus" (Instituições de Direito Civil - Vol. III Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 265).
Neste sentido, os seguintes julgados:
"DOAÇÃO. REVOGAÇÃO. INGRATIDÃO DO DONATÁRIO. - O Art. 1.183 do CC/1916 é taxativo ao relacionar as hipóteses de revogação da doação. - Desapego afetivo e atitudes desrespeitosas não bastam para deserdamento. É necessária a demonstração de uma das hipóteses previstas no Código Beviláqua.'" (REsp 791154/SP - 3ª Turma do STJ - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - j. 21.2.2006 - DJ 27.3.2006);
"EMENTA: AÇÃO REVOCATÓRIA DE DOAÇÃO - INGRATIDÃO - ARTIGO 557, DO CC - TAXATIVIDADE DO ROL - ÔNUS DA PROVA - INCUMBÊNCIA DA DOADORA - DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO. O rol previsto no artigo 557, do CC, que lista as hipóteses de revogação da doação por ingratidão é taxativo. Nos termos do artigo 333, I, do CPC, não se desincumbindo a apelante, doadora, do ônus de provar que a apelada, donatária, lhe cometeu ofensa física ou, ainda, a injuriou gravemente ou a caluniou, improcedente o pedido de revogação da doação por ingratidão". (TJMG. Ap. 1.0313.05.168433-7/001- 16ª Câmara Cível - Rel. Des. Batista de Abreu - j. 03.09.2008).
Competia à ora recorrente, portanto, trazer aos autos provas capazes de demonstrar a ocorrência de alguma das hipóteses contidas no art. 557 do Código Civil, o que verdadeiramente não fez, distanciando-se do ônus probatório ditado pelo art. 333, I, do CPC.
Humberto Theodoro Júnior, em sua obra "Curso de Direito Processual Civil", Vol. I, 22ª ed., Forense, p. 423, traz-nos um esclarecedor comentário a respeito do ônus da prova:
"No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova.
Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte, para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz.
Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direto subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisidicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente."
No caso, compulsando detidamente a prova aqui produzida, não logrei encontrar sequer indícios das referidas hipóteses.
Conforme bem pontuado pela douta Procuradora de Justiça, a alegada "ingratidão" ficou adstrita ao depoimento pessoal da autora, o qual, mesmo assim, não se enquadra dos incisos do art. 557 do Código Civil.
Da mesma forma, a prova testemunhal não aponta para a ocorrência de algum dos casos de "ingratidão" trazidos pelo Código, limitando-se a afirmar que requerida residia no imóvel em questão e que cuidava da autora, mas que, subitamente, abandou aquela casa e deixou de prestar assistência à requerente.
Data venia, ainda que restasse comprovado que o referido abandono ocorrera por vontade exclusiva da donatária, o que de fato não ocorreu, tal ação, embora reprovável pela sociedade, não poderia ser, à luz do Direito, motivo que desse ensejo à revogação da doação, haja vista não se enquadrar nos mencionados incisos do art. 557 do Código Civil.
Cumpre ressaltar que, caso quisesse a autora condicionar a doação do bem à prestação de assistência por parte da donatária, deveria ter feito constar tal encargo na escritura pública de doação, o que não ocorreu na espécie, tratando-se de doação pura e simples, conforme se vê as f. 39-39-verso dos autos.
Com tais fundamentos, não tendo a apelante, nos termos do artigo 333, I, do CPC, se desincumbido do ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO.
Custas recursais, pela apelante, observado o disposto no artigo 12 da Lei n.º 1.060/50.
O SR. DES. MOTA E SILVA:
VOTO
1 - Não é suficiente para caracterizar como válida uma escritura de doação, apenas porque pelos seus contornos ela se apresenta formalmente válida. É DIZER, será ela válida se a doadora respeitou a legislação pertinente.
2 - A uma atenta leitura da Escritura Pública de Doação (fls. 39) dela se extrai o seguinte texto:
"por compra a MLCG, conforme escritura lavrada neste Cartório, no Livro 120, fls. 050, em 15 de dezembro de 1998 e devidamente matriculada sob o nº 10.673, do Livro 2-000, fls. 108. e, 24/01/2003, no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Itanhandu; é senhora e legítima possuidora de uma parte de terras com área de 300,00m2, situada no lugar denominado "CHÁCARA", nesta cidade, confrontando: frente para a Rua Projetada nº 2, por 10,00ms; lado direito com MHS, por 30,00 ms; lado esquerdo com MLCG, por 30,00ms; e fun dos por 10,00ms com a mesma, ou sucessores e bem assim uma casa de morada que nesta parte mandou construir".
3 - Como se vê, a apelante adquiriu uma área de 300,00m2, ou seja, apenas parte de terras na localidade denominada Chácara. POIS BEM, nesta parte de terras construiu a autora uma casa de morada para nela residir.
4 - Assim sendo, essa casa que a autora, ora apelante, mandou construir é o seu único bem imóvel. Isto é, a autora apelante não obstante tenha adquirido a parte de terras em 16/12/1998, tão somente em 21/01/2003 é que conseguiu registrar o imóvel adquirido e após ter construído a cada de morada.
5 - Diante disso, como é viúva a doadora, com mais de 82 anos de idade, jamais poderia doar o que ultrapassa da parte disponível. Vejamos o que dispõem os artigos 1.175 e 1.176 do Código Civil de 1916.
ART. 1.175. É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.
ART. 1176. Nula é também a doação quanto à parte, que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade poderia dispor em testamento.
COMENTÁRIOS: Como a parte apelante, ora autora, tão somente quando contava com a idade 75 anos, 09 nove meses e 18 dias é que veio a adquirir as parte de terras de 300,00m2 onde construiu sua casa de morada e, considerando que é viúva desde 29/06/1952 (fls. 06) conforme OBSERVAÇÕES contidas na certidão de casamento, à evidência não resta dúvida alguma de que a apelante não possui outro imóvel. Dessa forma a doação é nula, quer no império do revogado Código Civil, quer na redação dos arts. 548 e 549 do atual Código Civil.
6 - O atual Código Civil repete, literalmente, cada palavra contida nos artigos do Código de 1916, senão vejamos.
ART. 548. . É nula a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.
ART. 549. Nula é também a doação quanto à parte, que exceder a de que o doador, no momento da liberalidade poderia dispor em testamento.
COMENTÁRIOS: Como se vê, pouco interessa o nome da ação, pois regem os princípios jurídicos de todos conhecido, quais sejam, "cabe a parte narrar os fatos. Ao juiz cabe decidir na conformidade da prova dos autos". E mais "o nome da ação é irrelevante, pois ao juiz cabe aplicar o direito".
7 - No caso dos autos, o nome da ação é o de anulação de Escritura Pública. Da prova documental se extrai à conclusão óbvia de que a doadora tem filhos e esses são os seus herdeiros, não a neta, ora apelada.
8 - Aliás, até que a doadora pode doar. Contudo, o que não pode doar são todos os seus bens. Nesse caso, a doação é nula de pleno direito, e, em sendo de nula pleno direito, o juiz pode de ofício, decretar a nulidade da doação.
9 - ADEMAIS, é de se observar que a autora doadora tão somente veio a adquirir o imóvel aos 75 anos, 09 meses e 18 dias de idade. E da data da aquisição de parte de terras contendo 300m2 em 1998, tão somente em 24/01/2003 é que veio a registrar a casa que construíra para morar.
10 - E MAIS, não fosse à nulidade absoluta da doação por infração aos arts. 548 e 549 do Código Civil é de se observar que a apelante juntou aos autos a Ocorrência Policial de fls. 93/95 o nome do marido da ré aparece como autor das lesões corporais praticadas contra a autora, ora apelante. ALIÁS, as fls. 94, o subscritor da Ocorrência Policial consignou que a pessoa de JGC OSÉ é o autor das lesões corporais contra a autora. Lesões essas que se encontram evidenciadas nas fotos de fls. 97 e 98.
11 - ASSIM SENDO, sem sombra de dúvida alguma, a escritura de doação é nula. Nula porque o marido da ré, esta neta da doadora é casado com comunhão de bens. Sendo assim, beneficiário também da doação.
12 - Pois o Código Civil atual, fala de ingratidão. Os juristas NELSON NERY e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, ao comentarem o art. 557 e seus incisos do atual Código Civil, ensinam:
"2. Rol exemplificativo. O CC/1916 dizia que "só se podem revogar por ingratidão as doações.", fornecendo rol em numerus clausus, vale dizer, de hipóteses taxativas de revogação de doação por ingratidão. A norma comentada modificou o sistema ao afirmar que "podem" ser revogadas as doações nos casos que enuncia, de modo que o rol que se lhe segue é exemplificativo.
3. Casuística:
Rol exemplificativo (números apertus). Jornada STS 33: "o NOVO Código Civil estabeleceu um novo sistema para a revogação da doação por ingratidão, pois o rol legal previsto no art. 557 deixou de ser taxativo, admitindo, excepcionalmente, outras hipóteses". (CÓDIGO CIVIL ANOTADO e Legislação Extravagante, 2ª edição - Editora Revista dos Tribunais, págs. 380/381).
13 - Diante da clara lição dos doutos juristas e da posição tomada na Jornada 33 do STJ, não resta dúvida alguma de que o art. 557 do Código Civil de 2002 não trata de cláusula taxativa, mas sim exemplificativa. Assim sendo, como a autora deixou bem claro que a ingratidão da ré, ora apelada, se caracteriza pelo abandono, deixando-a sozinha, sem condições de tomar conta da própria pessoa, à evidência, tal abandono é a prova maior da ingratidão da ré. Se o abandono não for entendido como ingratidão, à evidência passa a ser temeroso alguém doar a outrem determinado bem e este, após aceitar a doação, pura e simplesmente larga o doador a própria sorte. Diante disso, na clara lição do Mestre AURÉLIO, abandono é sim ingratidão.
14 - ALIÁS, o saudoso AURÉLIO, nos ensina:
"ABANDONO (Dev. de abandonar.) 2. Estado ou condição de quem ou do que é ou está abandonado, largado, desamparado".
"ABANDONADO. 1. Posto de lado, deixado, largado. 2- deixado ao abandono, desamparado".
15 - EM CONCLUSÃO: a) a autora, ora apelante, doou todo o seu imóvel o que torna nula a doação, isto em razão de ter filhas e elas são suas herdeiras, não respeitando a parte disponível; b) doação nula de pleno direito por não obedecer às normas pertinentes; c) a revogação se impõe pois, o abandono é a mais visível ingratidão que o donatário pode efetivar contra o doador.
O SR. DES. FABIO MAIA VIANI:
VOTO
De acordo com o Des. Relator.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O DES. REVISOR.
Acórdão: Apelação Cível n. 1.0331.07.004520-7/001, de Itanhandu.
Relator: Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes.
Data da decisão: 09.03.2010.
Fonte: TJMG
Maria da
Glória Perez Delgado Sanches
Membro
Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de
Arraial do Cabo, RJ.
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